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Badejo d'Ouro

 

Badejo, Mycteroperca fusca, fotografado na ilha de Santa Maria, Açores.
Foto: ImagDOP/UAz

No início do mês de Novembro, em pleno II Congresso Internacional “O Desporto e o Mar” do Clube Naval do Funchal, o Doutor Arturo Boyra das Canárias foi perentório quando afirmou que um mero morto tem muito valor, “600 euros, no mínimo em Espanha”. “No entanto”, foi dizendo à medida que apresentava os cálculos que mostram quanto ganham os operadores marítimo-turísticos das Canárias com a observação subaquática, “este mesmo mero vale um milhão de euros por ano se estiver vivo” e, rematou, “vamos matar a galinha dos ovos de Ouro?!”.

Na realidade, este contraste entre o valor dos meros vivos e meros mortos já foi utilizado no passado (*), mas nunca, que eu saiba, com valores tão enfáticos e tão indiscutíveis. O argumento parece infalível e foi já utilizado para justificar a proteção das tintureiras dos Açores (*), mas ainda sem grandes resultados. Para os meros, tem servido.

Aliás, se nós os soubermos utilizar, os animais têm, regra geral, um valor muito maior vivos do que mortos. Que o diga a empresa de exportação de peixe vivo, a Flying Sharks. Pegam em peixes que não têm qualquer valor comercial nos Açores, como os cabozes ou os foliões, e exportam-nos para os maiores aquários do mundo.

Que o digam também os pescadores de pesca grossa (*). Estes operadores, que esquadrinham os mares com os seus poderosos barcos de fibra-de-vidro branca (*, *, *), podem pescar o mesmo peixe por diversas vezes (*), alugando a embarcação e o saber por múltiplos do valor do peixe morto. Isto para não falar nos teores de mercúrio dos espadins, tão elevados que tenho dúvidas que possam ser consumidos sem perigo para a saúde (*). Para a pesca grossa, estão no ponto!

Não se pense que estou a defender que deixemos de comer peixe. Nada disso! Estou a defender que pensemos antes de tirar a vida a animais que são muito mais lucrativos vivos. É, pelo menos, uma questão de bom senso.

No mesmo congresso, a certo ponto, convidaram-nos para mergulhar na Baixa das Moreias. É um local mesmo em frente ao Clube Naval do Funchal e que se acede a partir do seu Centro de Mergulho. Mais simples era impossível. Claro que aceitei entusiasticamente o convite. Depois de vinte minutos debaixo de água, vendo alguns dos animais e algas que caracterizam aquele pedaço do Atlântico, aproximou-se um badejo. O líder do mergulho reconheceu o animal e acenou-me. Estávamos a dez metros de profundidade e, apesar de já me terem contado, eu não estava preparado para o que iria testemunhar.

O badejo, que deveria ter uns cinco quilos, aproximou-se do mergulhador que dirigia as nossas operações e aninhou-se calmamente nas suas mãos (*). Com serenidade, o nosso líder colocou uma mão na sua boca e outra no seu dorso. O peixe assim ficou, imóvel… Inacreditável… Mas havia mais! O líder do mergulho, sempre com o peixe nas suas mãos, aproximou-se de mim e deu-mo. “Vou pegar num peixe vivo!”, exclamei interiormente, totalmente possuído pelo entusiasmo. Agarrei-o com o mesmo cuidado e fiz-lhe algumas festas. Impressionante… No final, larguei-o e ele deu uma volta e voltou a insistir que o acariciasse. O processo foi-se repetindo com todos os mergulhadores que faziam parte deste grupo, um após o outro...

Este não é um comportamento natural dos animais marinhos e resulta das muitas horas que os mergulhadores do Clube Naval do Funchal dedicam a eles. Os peixes estão perfeitamente habituados à sua presença e aproximam-se sem qualquer relutância, até porque, muitas vezes, os mergulhadores não se inibem de lhes levar alimentos.

Ou seja, apesar de gostar mais das águas em estado puro dos Açores, não posso deixar de apreciar a forma como os madeirenses estão a utilizar o seu mar. A mim impressionou-me verdadeiramente e não tenho dúvidas que aquele badejo se irá tornar a estrela de muitas fotografias e vídeos. Se o mero das Canárias valia um milhão de euros, este badejo vale o seu peso em Ouro e puro! Mas tem esse valor apenas enquanto continuar vivo (*). Na lota, valerá pouco mais do que nada.

Estamos num período em que várias coincidências contribuíram para impulsionar o mergulho nos Açores. À descoberta do mergulho com tubarões-azuis (*, *, *, *) e jamantas (*, *, *, *) juntou-se a instabilidade no Norte de África e no Médio-Oriente. Destinos como o Mar Vermelho foram preteridos (*) e isso constituiu uma enorme mais-valia para o nosso arquipélago (*). Os trabalhos da Doutora Adriana Ressurreição do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores demonstram claramente o aumento de rendimento das actividades aquáticas e subaquáticas nos últimos anos.

No entanto, e obviamente que ainda bem, esta situação não irá durar para sempre. Dentro em breve, países como o Egipto (*) e a Eritreia (*) (*) encontrarão o seu rumo de paz e de estabilidade. Se até lá não cativarmos este mercado, perderemos esta janela de oportunidade. É preciso, com a maior urgência, resolver pequenos problemas no turismo subaquático dos Açores, tais como, acabar com o uso de redes de emalhar nas zonas costeiras que, como os próprios pescadores dizem, “destroem tudo”, e reforçar as limitações impostas nas áreas marinhas protegidas, para que terminem os conflitos de utilização (*). É necessário também, que os operadores marítimo-turísticos dos Açores formem uma união honesta, coerente, abnegada e abrangente para que os seus pontos de vista sejam mais respeitados. Foram estas as principais conclusões que eu retive da IV Bienal do Turismo Subaquático que decorreu a meio de Outubro na ilha Graciosa.

Claro que todos queremos que os turistas subaquáticos se sintam bem nos Açores. É certo, porém, que poucos quererão voltar a locais em que os centros de mergulho não têm casa de banho ou em que se mergulha a dezenas de milhas da costa em solitários semirrígidos. É muito engraçado para nós e para os nossos amigos, mas impensável para o exigente turismo do Mar Vermelho e esse é o nosso único e verdadeiro competidor. Mãos à obra!

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